Nem só aos sábados
Depois do fim da Idade Média, a religião voltou a suprimir os banhos no Ocidente. Nos séculos 16 e 17, irredutíveis cristãos bradavam que a água dilatava os poros da pele, por onde a saúde escaparia e o mal penetraria, em formas como a friagem e os germes. Todo mundo acreditou nisso, incluindo os médicos. E, enquanto nações como Portugal e Espanha descobriam, na América, populações que amavam tomar banho, os europeus voltavam para o mundo da sujeira.
Existiam algumas medidas de higiene, é verdade. Mas elas não eram lá essas coisas. Antes ou depois de qualquer atividade física e após as refeições enxugava-se a pele com um pano e simplesmente mudava-se de camisa. Supunha-se que a roupa branca agia como “esponja” e absorvia a sujeira. Assim, trocar de roupa passou a ser sinônimo de se lavar – e, para se sentir limpas, as pessoas usavam punhos e colarinhos impecáveis.
A privação de água durou até o século 18, quando se provou definitivamente que as doenças se originavam não do banho, mas da falta dele. O iluminismo, que celebrava a razão e defendia a tese de que o mundo deveria ser esclarecido pela ciência, ajudou a fazer do ato de se lavar o símbolo da saúde. Banhos públicos para higiene, esporte e terapia foram, aos poucos, sendo reabilitados.
Mas, após anos de religiosos dizendo o contrário, não foi todo mundo que voltou a tomar banho, mesmo com insistentes conselhos médicos. Quando a célebre rainha Vitória subiu ao trono, em 1837, ainda não havia local para banho no palácio de Buckingham, sede da coroa inglesa. Até os anos 1870, eram raras as casas ocidentais que tinham um cômodo para seus habitantes se lavarem.
Já cientes do bem que a água podia fazer pela saúde, médicos banhavam doentes à força em hospitais. “Não era difícil encontrar um sujeito que, tendo de enfrentar a experiência do primeiro banho, demonstrasse verdadeiro terror, gritasse, tentasse escapar da sensação de sufocamento e palpitação que a água fria proporcionava”, diz um relato da época, citado pelo historiador americano Lawrence Wright no livro Clean and Decent: The Fascinating History of the Bathroom (“Limpo e decente: a fascinante história do banheiro”, não editado no Brasil).
Os banhos rotineiros reapareceram definitivamente nas grandes cidades ocidentais apenas por volta dos anos 1930. Mas, no começo, eles não eram lá tão freqüentes. Eram tomados aos sábados, dia em que também eram trocadas as roupas de baixo das crianças. Nessa época, navios ofereciam cabines de banho e barcos delimitavam áreas em rios que serviam como piscinas naturais. Após o fim da Segunda Guerra, em 1945, quando boa parte das casas européias teve que ser reconstruída, elas ganharam banheiros, abastecidos com a cada vez mais comum água encanada. A França foi a pioneira nas inovações sanitárias, seguida pela Inglaterra e pela Alemanha.
Hoje, voltamos a expor nossos corpos sem pudor, como fazíamos na Antiguidade. Mas isso não ocorre mais durante o ato de se lavar, e sim depois dele. “Ao mesmo tempo em que os trajes começam a valorizar o corpo e deixar adivinhar suas formas, realçando-as e, por vezes, revelando o bronzeado e a pele lisa e firme, o banho se transforma num hábito estritamente íntimo”, escrevem os historiadores franceses Gerard Vincent e Antoine Prost na obra História da Vida Privada: da Primeira Guerra aos Dias Atuais. Tomar banho virou um método individual de se preparar para a exposição pública. Não é à toa que todo banheiro contemporâneo que se preze tem um espelho – um objeto que, há cerca de dois séculos, dificilmente seria visto num lugar como esse.
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